Segunda feira
assisti a uma palestra do Prof. Ingo Wolfgang Sarlet sobre o Princípio da
Proibição do Retrocesso Ambiental (tema do meu TCC mais a sua aplicabilidade
nos casos de Belo Monte, o Código Florestal, o Código Ambiental de Santa
Catarina e a PEC 215 temas indicados por Adriano Reis e Pedro Christo Reis) ,
motivo pelo qual lhes dedico este texto. Eis que, para mim este é o próximo
passo que eu não sabia que viria, mas o pressenti, portanto, quem fala por mim
é a sincronicidade, pelas palavras de Fraçois Ost, que encontrei no caminhar do
meu TCC, a vida é assim, nos põe diante das situações, e nos resta saber o que
fazer. Aqui está a minha vida, as nossas vidas conectadas, e o legado de Ost
para nossa geração. Encontrei minha religião, encontrei o que vale a pena
dedicar a minha existência, encontrei minha luta. Pois os ponderados
continuarão ponderando, sempre um saco de pontos de interrogação e incerteza, e
insegurança, verão o barco afundar enquanto afundam na própria hipocrisia
sofista. É hora dos radicais livres jogarem as pedras.
A SOMBRA DE PÃ: A DEEP
ECOLOGY
Um sábio alemão de
nome Lichtenberg, relata este sonho estranho: quando se vangloriava de
conseguir identificar, graças a análise química, os componentes de qualquer
objeto, apareceu-lhe um velho sobrenatural, no qual poderíamos reconhecer
facilmente a figura de Deus. O velho tira do seu saco um objeto esférico e
desafia o químico a analisá-lo. Lichtenberg põe de imediato mão a obra: ele
esmaga-o, amassa-o, precipita-o, analisa-o, e acaba por elaborar uma lista dos
elementos: carbono, hidrogênio, oxigênio, azoto… O velho, tendo vindo buscar a
resposta, anuncia-lhe que a bola não era senão o globo terrestre – e eis as
catástrofes provocadas pelas suas manipulações: a atmosfera dissipada no seu
sopro, os oceanos ainda húmidos no seu lenço, as montanhas poeiras na sua faca…
Abalado, Lichtenberg pede uma nova oportunidade; magnânimo, o velho tira um
novo objeto do saco. Desta vez, Lichtenberg cai de joelhos, vencido: tratava-se
de um livro.
GAIA GENETRIX
Assim, a utopia
moderna inaugurada pela Nova Atlântica, de Fracis Bacon, termina em pesadelo
com a fábula de Lichtenberg. A razão racional julgava poder definir o mundo –
raciociná-lo -, podendo mesmo destruí-lo. O sonho de Lichtenberg atormenta, a
partir de então, os nossos contemporâneos. O mundo não se reduz a uma soma de
objetos materiais e o seu princípio não reside unicamente em disposições
mecânicas. E, considerando as coisas apenas sob o ângulo material, somos também
reduzidos a condição de objeto. Então, como Lichtenberg, ganhamos medo e
pedimos uma segunda oportunidade.
Assim, coloca-se
pela primeira vez – vivemos esse momento – a questão da nossa relação com a
natureza. Pela primeira vez, segundo parece, é posta em questão a segurança
soberana, prometeana, do homem moderno, cartesiano, certo em compreender as leis
da natureza e, logo, autorizado a gozar delas e a modificá-las, quando
necessário. Não estará o homem, parasita prolífico, em vias de esgotar o
organismo que o alimenta? Estaremos nós, realmente certos, de que nossa ciência
e a técnica que a acompanha agem com discernimento sobre o curso das coisas? E,
mesmo que nos garantisse a simples sobrevivência, que sentido teria uma
existência num mundo ascético, banalizado, standartizado, cuja beleza,
eventualidades e selvajeria teriam desaparecido? E o homem moderno interroga-se
se não seriam os antigos que tinham razão, ao considerarem que a terra não
pertence ao homem, mas, muito pelo contrário, é o homem que pertence a terra.
Esta interrogação fundamental é sustentada por um impulso romântico
extraordinário de retorno à natureza, verdadeiro paraíso perdido, tanto
revestido de todas as seduções da virgindade como da majestosidade do sagrado.
À relação cintífica e manipuladora da material, que é uma relação de distanciamento e objetivação, substitui-se uma attitude fusora de osmose com a natureza – simultaneamente culto do corpo do canto poético, neutralização do corpo e humanização da terra.
À relação cintífica e manipuladora da material, que é uma relação de distanciamento e objetivação, substitui-se uma attitude fusora de osmose com a natureza – simultaneamente culto do corpo do canto poético, neutralização do corpo e humanização da terra.
Então o Ocidente inventa novos mitos, como o Tarzan, por exemplo: Tarzan, o homem-macaco, que, voando de liana em liana, parece tomado pelo elemento natural; ele não está na natureza como o colono desastrado que progride com dificuldade ao nível do solo, ele é a própria natureza, expressão viva de uma harmonia possível com o grande todo que nos rodeia. No registro onírico que lhe é próprio, a linguagem da publicidade partilha igualmente desta procura de fusão entre o mundo familiar dos objetos que nos rodeiam e a natureza ambiental. É, assim, reativada a mais antiga e mais poderosa de todas as fantasias: o desejo de retorno às origens. E o nosso contemporâneo recorda que, de todas as origens, é ainda a natureza a mais original. De fato, a natureza não é senão isso: A ORIGEM. Uma origem permanentemente originadora, como lembra a sua etimologia: natura, natus: nativus, reportada à raiz indo-européia gn, que dará <nascer>, <engendrar>. A natureza é uma matriz infatigável que não para de engendrar; ela é o advém, permanentemente; é a própria vida. Não há um só povo que não tenha desenvolvido uma mitologia , a partir desta espécie de criação cósmica que encontra o seu princípio na natureza. Mas o homem moderno julgara poder renunciar a este discuro obscuro das origens. Com a angústia contemporânea gerada pelo nosso Homo sapiens, este diacurso é hoje reativado sob sua forma mais clássica: o regresso ao <seio> desta mãe natureza, a Gaia genetrix das origens. É a nostalgia da idade de ouro das origens, a terra prometida de todas as utopias e de todos os eldorados, a promessa de uma segurança reencontrada, como o canta Lamartine em Le Vallon:
<Mas a natureza existe,
convida-te e ama-te;
Mergulha no seu seio sempre
acolhedor.
Quando para ti tudo se
altera, a natureza persiste,
E assim o mesmo sol nasce
cada dia.>
Desenvolve-se
então uma consciência mais profunda da interdependência entre todos os seres
vivos, bem como entre estes e a terra que os comporta – uma consciência que não
é apenas de ordem científica (o paradigma ecológico <sistemático>), mas
também e sobretudo da ordem do mito fundador, que confina com o panteísmo, não
hesitando alguns em sustentar que a consciência não é um privilégio da
humanidade mas antes uma propriedade planetária global. É efetivamente a música
do deus Pan, que aqui se faz ouvir: uma música estranha e envolvente deste
semi-homem, semianimal, sobre o qual a mitologia nos lembra que assombrava as paisagens da antiga Arcádia, ficando
de preferência à entrada das grutas. Tudo concorre para coerência desta
representação: a Arcádia, símbolo da natureza virgem; a entrada da gruta,
metáfora da matriz maternal, e a figura do próprio deus que não se sabe se é
homem ou animal. Pan introduz-nos num universo pré-lógico: o mundo da fusão
original antes da separação das coisas e das idéias, dos gêneros e das
espécies.
O mundo de Pan é o
de um continuo resvalar de deuses e homens e de homens em animais, um mundo sem
fronteiras onde <tudo está em tudo>, um mundo de correspondências
infinitas no seio da mãe natureza, a antiga Gaia genetrix. Pan é o guardião
das grutas de Gaia, o intermédio da natureza inesgotável.
Esta sacralização
da natureza faz-nos reconciliar com as raízes mais antigas das nossas
civilizações, com o tempo em que o mundo não estava ainda desencatado, e em que
a Aliança entre o homem e o cosmos não estava ainda enfraquecida. Poder-se-ia
evocar, por exemplo, no que se refere à tradição judaico-cristã, o tema do
arco-íris que, na história de Noé, assinala o fim do Dilúvio – paradigma de
todas as catástrofes ecológicas -, e a reconciliação entre o homem, a natureza
e Deus. Mas, convém dizê-lo claramente, as grandes religiões monoteístas, como
a religião judaica, o cristianismo e o islamismo, baseiam-se na separação (e,
eventualmente, na aliança subsequente) e não na fusão panteísta. Em
contrapartida, a cultura dos Índios da América do Norte guarda alguns tesouros desta
idéia panteísta da harmonia natural. Bastaria citar, por exemplo, Seatle, chefe
dos Sioux, na resposta que dirigia ao governador de Dakota, que lhe pretendia
comprar as terras da tribo:
<Para o meu povo, não há
um pedaço de terra que não seja sagrado – uma agulha de pinheiro que cintila,
uma margem arenosa, uma bruma leve no meio dos bosques sombrios. Tudo é sagrado
aos olhos do meu povo. A seiva que cresce na árvore contém em si própria a
memoria dos peles-vermelhas. Cada clareira, cada inseto que zumbe, é sagrado na
memoria e na consciência do meu povo. Nós fazemos parte da terra e ela faz
parte de nós. Esta água cintilante que corre pelos ribeiros e rios não é apenas
água, é o sangue dos nossos ancestrais… Porque se tudo desaparecesse o homem
poderia morrer numa grande solidão espiritual. Todas as coisas estão ligadas
entre si, Ensinai às vossas crianças o que ensinamos às nossas sobre a terra:
que ela é nossa mãe, e que tudo o que lhe acontece acontece-nos a nós e aos
filhos da terra. Se o homem desdenha a terra desdenha a si próprio. Disto temos
a certeza. A terra não pertence ao homem, mas o homem quem pertence à terra.>
Mais próximo de
nós, poderíamos citar inúmeros poemas românticos que celebram o espírito em
obra na natureza. Uma natureza habitada de <palavras confusas> e povoada
de <olhares familiares>, com a qual a consciência descobre profundas
afinidades. O poema Correspondances, de Baudelaire, abre aqui a via. No
<templo da natureza>, os objetos que nos olham e nos falam perdem a sua
objetividade e adquirem a <expansão das coisas infinitas>. Entre eles e
nós desenvolvem-se inúmeras harmonias , que reavivam a memoria de um parentesco
perdido entre o sujeito e o objeto. Nestas <florestas de símbolos>, os
<perfumes, as cores e os sons estão em simetria >; o homem atinge aqui um
estado de êxtase, marcado pelo <transporte do espírito e dos sentidos>.
Esta sacralização
da natureza retorna hoje, tanto sob formas hedônicas, como, pelo contrário, nos
discurso da culpabilidade.
São, então, os
temas do pecado original (a <violação> da natureza, a <poluição>
que é da ordem da profanação da natureza virgem) e da condenação, sob a forma
de exílio do paraíso original, que reaparecem em força como no discurso do
naturalista Jean Dorst: <O homem, escreve, surgiu como um verme num fruto,
como uma traça num novelo de lã, e arruinou o seu habitat segregando teorias
para justificar a sua ação.
Será chegada a
hora da punição? Será que se prepara um novo dilúvio? Tudo leva a crer que
sim, sustentam estes autores, salvo redenção, sempre possível, que consiste
aqui em encontrar o caminho da aliança, que é também a via do AMOR. <A
natureza só será salva, escreve ainda Jean Dorst, se o homem lhe manifestar um
pouco de AMOR.> E Jean –Marie Pelt acrescenta: <É conveniente renovar a
aliança imemorial do homem com a vida, a natureza, o Universo… ajardinar a
terra com AMOR, como no tempo do Éden… porque poderá voltar a ser Éden
amanhã.>
Fortemente
carregado de emoção, o tema da natureza mãe, da natureza sagrada, da natureza
sujeito de direito, não releva , no entretanto, exclusivamente dos registros da
poesia e do misticismo. Ele alimenta igualmente poderosas correntes de idéias,
que culminam em teses éticas e soluções jurídicas que é necessário agora
apresentar e discutir. Neste capítulo, iremos concetrar-nos nas teses da
ecologia radical; as teorias favoráveis aos direitos dos animais serão objeto
de sequente desenvolvimento.
PENSAR COMO UMA MONTANHA